A Burocratização da Ciência


Transformada em uma espécie de mantra daquilo que acontece no contexto acadêmico em termos de criação e veiculação do conhecimento, a expressão usada nas universidades americanas "publique ou pereça" ("public or perish") tem norteado a produção científica mundial nos últimos tempos. Seja por parte daqueles que exigem produção, seja daqueles que são pressionados a publicar, seja ainda dos editores das revistas científicas e de outros envolvidos nesse processo, como é o caso dos pareceristas, ninguém está a salvo do processo de burocratização pelo qual a ciência tem passado ultimamente.

Transformada em uma espécie de mantra daquilo que acontece no contexto acadêmico em termos de criação e veiculação do conhecimento, a expressão usada nas universidades americanas "publique ou pereça" ("public or perish") tem norteado a produção científica mundial nos últimos tempos. Seja por parte daqueles que exigem produção, seja daqueles que são pressionados a publicar, seja ainda dos editores das revistas científicas e de outros envolvidos nesse processo, como é o caso dos pareceristas, ninguém está a salvo do processo de burocratização pelo qual a ciência tem passado ultimamente.
Tudo isso porque na cultura científica, a produtividade intelectual passou a ser medida medida pela produtividade de publicação. As primeiras revistas científicas do século 18, não tinham fins lucrativos, mas com o aumento dos investimentos públicos nos laboratórios, a partir da década de 1950, as universidades passaram a ter muito mais pesquisadores. Com isso criou-se a necessidade de se fazer avaliações de desempenho para justificar a demanda desse pessoal. 
Para fazer essas avaliações, a comunidade acadêmica adotou basicamente dois critérios: a quantidade de artigos científicos publicados em revistas – um suposto sinal de produtividade e dedicação – e o número de vezes em que esses artigos são citados em outros artigos – o que, em teoria, é uma evidência de que o trabalho foi relevante e influente.
Uma matéria publicada este mês na revista Superinteressante (Editora Abril), com o título de A Máquina que Trava a Ciência, expõe os mecanismos que sujeitam os pesquisadores a compactuar com as exigências burocráticas e a aceitar uma cultura que privilegia a quantidade em vez da qualidade levando os cientistas à exaustão e, por vezes, a usar de artifícios para se inserirem nesse contexto.
Os artigos científicos constituem o principal caminho para a exposição, pelos pesquisadores, dos resultados de estudos. O reconhecimento do trabalho pelos pares é essencial para a construção de uma carreira científica, o que requer a divulgação adequada das pesquisas. Como os pesquisadores não visam lucro e sim o aumento de seu capital científico, entregam seu material gratuitamente aos periódicos. Os donos da editora de periódicos científicos, recebe conteúdo de graça e o vende as universidades, locais que abrigam um público disposto a pagar muito para ter acesso às pesquisas mais importantes ( no caso os próprios pesquisadores).
Empresários como o magnata Robert Maxwell, fundador da Pergamon Press viram que esse modelo de negócio era extremamente lucrativo: pegar material de graça do governo (que financia as pesquisas) para vender de volta para o governo (que financia as universidades). Em 1991, a Elsevier -a maior editora de literatura médica e científica do mundo, com sede em Amsterdã e operações substanciais no Reino Unido, E.U.A, Europa e no Brasil comprou a Pergamon e hoje é a maior editora de literatura científica do planeta com lucro de 1 bilhão de dólares sobre um faturamento de US$ 2,7 bilhões, uma margem de lucro de 36,7%, maior que o do Google (26,5%).
Seguindo o mesmo raciocínio lógico da lucratividade, foram criados a partir de então, periódicos muito seletivos, que só publicam a nata das pesquisas. Publicar em títulos como Cell, Nature ou Science dá visibilidade ao pesquisar e é bom para a sua carreira. 
Quando um periódico fica famoso, ele cria um monopólio em sua área. Se há um periódico de um determinado campo de pesquisa, todas as bibliotecas universitárias precisam ter uma assinatura. A própria Elsevier tem 2,7 mil títulos – entre eles Revascularização Cardiovascular e o Periódico Internacional de Adesão e Adesivos. As bibliotecas, com orçamentos na casa dos milhões de dólares, abrigam uma diversidade de revistas especializadas. De fato, os padrões de excelência da Elsevier e de outras editoras de peso continuam altos. Mas o sistema causa distorções. “Um Newton da vida, que passava a vida toda trabalhando e publicava pouco, não teria chance no século 21”, diz o biólogo Fernando Reinach na matéria da Super.
O processo de burocratização da ciência está tão consolidado que, hoje em dia, para um cientista brasileiro da área de Farmácia receber a classificação máxima (1A) do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), precisa ter publicado 70 artigos científicos nos últimos dez anos. Ou seja: ele é obrigado a criar uma novidade científica a cada dois meses.
"Como a classificação de um cientista no CNPq define quanto dinheiro ele pode receber para suas pesquisas, surge a mentalidade do 'quanto mais, melhor'. A quantidade bruta de artigos passa a valer mais do que a criatividade e a originalidade de cada um. Os pesquisadores, sob pressão, se preocupam mais em bater metas do que em produzir boa ciência. Para conseguir promoções na carreira e recursos de pesquisa, o pesquisador é induzido a publicar o tempo todo". E isso gera expedientes eticamente discutíveis como o "pedágio", prática em que um pesquisador exige ser creditado como autor em alguma pesquisa que tenha usado equipamento do seu laboratório mesmo que ele nem tenha participado do estudo. Outro artifício muito utilizado é a “ciência salame”: prática que consiste em fatiar uma pesquisa longa, que deveria ser apresentada de uma vez só, em vários pequenos artigos com conclusões parciais – o que aumenta o volume de produção e a classificação acadêmica do autor.
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