Uma Ciência Que Não Se Reproduz

Uma pesquisa recente publicada pela Nature revelou que 90% dos cientistas reconhecem que existe uma crise de reprodutibilidade na ciência. Um grupo de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e Holanda assinou nesta semana um manifesto para que a ciência recupere parte de sua credibilidade e confiabilidade perdidas por conta da dificuldade em se reproduzir os experimentos científicos na atualidade. Segundo uma análise, ressalta o manifesto, 85% dos esforços dedicados à pesquisa biomédica “acabam sendo desperdiçados”. “São estudos que nunca chegam a ser aplicados na clínica ou são feitos de uma forma negativa". Na gravura, uma exibição pública de um experimento do renomado físico Michael Faraday (1791-1867)

Uma pesquisa recente publicada pela Nature revelou que 90% dos cientistas reconhecem que existe uma crise de reprodutibilidade na ciência. Isso se deve em parte porque a forma de se produzir conhecimento na atualidade mudou tanto que seria quase irreconhecível para os grandes cientistas dos séculos passados. Em outros tempos, não bastava a Newton e Galileu realizarem descobrimentos capazes de mudar a história. Deveriam também repetir suas experiências diante de todos os seus colegas, e esses, por sua vez, as repetiam por sua conta antes de ficarem completamente convencidos. Esse princípio de reprodutibilidade foi fundamental para o avanço da ciência desde então.
Um grupo de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e Holanda assinou recentemente um manifesto para que a ciência recupere parte dessa credibilidade e confiabilidade perdidas por conta dessa crise de reprodutibilidade. O principal autor do documento é o médico e pesquisador da Universidade Stanford (EUA) John Ioannidis, um dos pioneiros da chamada “metaciência”, uma disciplina que analisa o trabalho de outros cientistas e comprova se estão respeitando as regras fundamentais que definem a boa ciência.
O Manifesto por uma Ciência Reproduzível, publicado em formato aberto na Nature Human Behaviour, propõe uma série de medidas para evitar práticas ruins em todas as fases de uma pesquisa científica. O manifesto também denuncia que só são publicados estudos com dados novos, significativos estatisticamente e que apoiam uma teoria determinada. Muitos deles não trazem nada de valioso e, ainda pior, acabam sustentando com a estatística interpretações preconcebidas que não são certas. “Isso, lamentavelmente, não é descoberta científica, mas autoengano”, e pode multiplicar a quantidade de “falsos positivos”, diz o texto do manifesto.
Segundo uma análise, ressalta o manifesto, 85% dos esforços dedicados à pesquisa biomédica “acabam sendo desperdiçados”. “São estudos que nunca chegam a ser aplicados na clínica ou são feitos de uma forma negativa, e também muitos outros que são abandonados em etapas muito iniciais”, explica Ioannidis. “Na maior parte das vezes as experiências não são bem projetadas”, denuncia o pesquisador. “Por exemplo, somente entre 10% e 20% de todos os estudos com animais são aleatorizados para se evitar as distorções” inconscientes dos cientistas, ressalta. No caso dos testes clínicos com pacientes, “somente 5% seguem todos os passos corretamente”, denuncia. O problema afeta “quase todas as disciplinas da ciência”, afirma.
"Em 2013, Ionnidis publicou um estudo que afirmava que até 95% podem ser falácias sem comprovação. Outra revisão recente invalidou milhares de estudos de neurociência baseados em uma técnica de ressonância magnética. De acordo com os pesquisadores, não são só os cientistas os responsáveis, mas também as universidades, as poderosas revistas científicas que publicam os estudos, as agências financiadoras e o restante dos atores do sistema, afirma."
Juan Lerma, pesquisador do Instituto de Neurociências de Alicante e editor da revista Neuroscience, reconhece que muitos cientistas têm um conhecimento estatístico “simplista”. “Recebo 2.000 estudos por ano, e vejo uma deficiência geral em como trabalham com os dados estatísticos”, afirma. Lerma aponta outra causa da crise atual. “São publicados muitos estudos e muito depressa”, diz. “Não existe uma reflexão geral sobre o excesso de publicação e as pressões para se fazer estudos, as universidades medem os resultados por peso, e isso é um erro”, ressalta.
Lerma reconhece que o problema para se reproduzir estudos é “generalizado”, mesmo que isso não queira dizer que os trabalhos são ruins. Sua equipe descobriu novos neurotransmissores no hipocampo, a parte do cérebro que controla a memória, mas se passaram cinco anos antes de outra equipe conseguir identificá-los por sua conta, confirmando a descoberta, explica. “O problema é que muitos dos resultados atuais requerem técnicas muito complexas” que pouquíssimos aprendem a dominar.
Parte da culpa, acredita Lluis Montoliu, pesquisador do Centro Nacional de Biotecnologia (CNB), envolvido em iniciativas para a promoção da integridade científica, é das revistas. Segundo ele,“Não podemos esquecer o papel cúmplice de determinados grupos editoriais, frequentemente de revistas de calibre, que preferem publicar resultados inesperados, inovadores, espetaculares, que geram muito barulho e impacto, antes de assegurarem-se e verificar sistematicamente a confiabilidade dos mesmos”.
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