Aedes:100 Anos de Transmissão



O Aedes aegypti está no meio de nós há mais de um século e até agora não encontramos um método eficaz para a sua erradicação. No passado, o Aedes também foi o vetor da febre amarela em ambientes urbanos, uma doença que foi controlada nas cidades mas que ainda persiste em sua forma rural pelo Brasil afora. Segundo o historiador Jaime Benchimol, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, “Campanhas educativas são importantes, mas não resolvem situações emergenciais como as atuais epidemias de zika e dengue.

Nos dias de hoje, o Aedes aegypti dispensa apresentação. Não há um único cidadão que não reconheça pelo nome o mosquito transmissor dos vírus que causam a dengue, a zika, a chikungunya e, por tabela, microcefalia em recém-nascidos cujas mães tiveram contato prévio com esse famigerado vetor. No passado, o Aedes também foi o vetor da febre amarela em ambientes urbanos, uma doença que foi controlada nas cidades mas que ainda persiste em sua forma rural pelo Brasil afora. 
A pergunta que não quer calar é a seguinte: por que o Brasil não consegue vencer esse mosquito? A resposta não é simples, visto que o A. aegypti está no meio de nós há mais de um século e até agora não encontramos um método eficaz para a sua erradicação. Não podemos negar que sempre houve esforços, porém... Segundo o historiador Jaime Benchimol, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, “Campanhas educativas são importantes, mas não resolvem situações emergenciais como as atuais epidemias de zika e dengue. Ações verticais não são incompatíveis com o empoderamento da população”. Para Benchimol, é preciso resgatar o know how de Oswaldo Cruz e seus sucessores para remontar estruturas organizadas e eficazes que combinem mobilização da sociedade civil, mais estudos e agentes de saúde indo nas casas, entre outras ações verticais."
Atualmente, "o enfrentamento do mosquito transmissor da zika e da dengue combina métodos convencionais das campanhas de erradicação promovidas ao longo do século XX com novas armas químicas e biológicas, como mosquitos transgênicos, expostos à radiação nuclear e infectados por bactérias". 
"Hoje temido por transmitir zika, dengue e chicungunya, o Aedes aegypti assombrava cidades portuárias tropicais disseminando a febre amarela." Nas linhas seguintes, passo a reproduzir trechos da excelente matéria de Marina Lemlie, postada no blog de HSC-Manguinhos, a qual relata todos os episódios e as tentativas de debelar o mosquito transmissor da febre amarela das grandes cidades brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro, no século passado.
"Até o fim do século XIX, não se sabia ao certo o que causava a doença, que era combatida por desinfecções, quarentenas e outras medidas pensadas para destruir seu suposto bacilo, principalmente nos cortiços onde a população pobre se aglomerava. Em 1881, o cubano Carlos Finlay apontara um Culex como transmissor da febre amarela. O mosquito passou a ser chamado Stegomyia fasciata em 1901 e, partir dos anos 1920, Aedes aegypti. Só após duas décadas, uma comissão científica dos EUA confirmou a teoria de Finlay e instituiu brigadas para combater os mosquitos na capital cubana.
Na capital brasileira, em 1903, a transmissão da febre amarela ainda era objeto de um confronto entre os ‘exclusivistas’, liderados por Oswaldo Cruz, que acreditavam que a doença era transmitida só pelo Stegomyia fasciata, e os ‘não convencidos’, que defendiam as desinfecções, quarentenas e outras medidas agora desqualificadas, mas ainda presentes no senso comum que regia a opinião pública.
De acordo com o historiador Jaime Benchimol, o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela, era organizado em moldes militares e contava com brigadas capazes de se deslocar rapidamente aos focos da doença. "Uma vez identificado um foco, um médico confirmava o diagnóstico e supervisionava os trabalhos dos mata-mosquitos. A primeira providência era isolar o doente em casa, para impedir que fosse picado por mosquitos e os infectasse. Se o doente preferisse, ou se fosse impossível o isolamento domiciliar, o que acontecia em geral com a população mais pobre, era transferido para o hospital de isolamento no Caju ou o Hospital dos Estrangeiros em Botafogo.", diz o historiador.
Ainda segundo Benchimol, "Para eliminar ovos e larvas de mosquitos por asfixia, o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela aplicava petróleo ou uma mistura de querosene, creolina e óleo de eucalipto às águas acumuladas em calhas, tonéis, latas de conserva, cacos de vidro e outros recipientes. Nas casas mais luxuosas, os proprietários eram intimados a colocar barrigudinhos, peixes que comiam larvas de mosquitos nos tanques, fontes e chafarizes."
"Em 1917, morre Oswaldo Cruz. Em 1919, é criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, comandado por Carlos Chagas. Em 1923, o Departamento aceita a cooperação da Fundação Rockefeller no combate à febre amarela no Brasil."
Segundo Benchimol, o alvo em que a Rockefeller investiu mais recursos foi a febre amarela. O objetivo era erradicar a doença das Américas. Os especialistas da Rockefeller consideravam mais eficaz e econômico atacar só a forma larvária, deixando de lado as fumigações feitas desde os tempos de Oswaldo Cruz para eliminar os mosquitos adultos (...).
A partir de 1933, não houve mais epidemia urbana de febre amarela. Aconteciam surtos urbanos, porém causados pela transferência do vírus da mata para a cidade (...).
Em 1939, a Rockefeller deixou de renovar com o governo brasileiro o acordo para a profilaxia da febre amarela. Em 1940 foi criado o Serviço Nacional de Febre Amarela, sob responsabilidade exclusiva dos sanitaristas brasileiros. A estrutura da campanha contra o Aedes aegypti permaneceu inalterada, mas foi preciso fazer correções de rumo. O mosquito fora eliminado em largas extensões do país, mas ainda ocorria no Nordeste, região mais infestada (...) O programa avançou mais rápido a partir de 1947, quando se passou a usar o DDT (dicloro-difenil-tricloretano) e o método perifocal para eliminar, simultaneamente, as formas aquática e alada do mosquito (...).
Um plano continental de erradicação foi aprovado pela Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o know-how do Serviço Nacional de Febre Amarela foi colocado à disposição. Em 1958, diversos países foram declarados livres do mosquito (...) Em 1967, porém, o Aedes aegypti ressurgiu no Pará e aos poucos reconquistou seu território primitivo. Equipes da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) passaram a atacar o mosquito, agora resistente ao DDT, com inseticidas fosforados, caros e difíceis de usar.
Em 1982, o Aedes aegypti foi encontrado em Niterói, e em bairros do Rio de Janeiro a infestação chegou perto do índice considerado alarmante pela OMS. Surtos de febre amarela silvestre levavam organizações e especialistas a alertar sobre o perigo da reurbanização da doença e a defender a reconstrução de uma orquestração continental contra o Aedes aegypti. O resultado da proliferação do mosquito foi o primeiro surto de dengue no país, em Roraima em 1982. A epidemia de dengue no Rio em 1986 e 1987 revelou pela primeira vez o Aedes albopictus, mosquito originário da Ásia, que entrou no Brasil através de portos que exportavam ferro para o Japão (...).
Benchimol acredita que tecnologias diferentes daquelas adotadas nos anos 1930, que envolvem manipulação genética, podem revolucionar as vacinas contra vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, como os da febre amarela e da dengue. Um exemplo é o Projeto Aedes Transgênico, ligado à empresa britânica Oxitec, que desde 2011 já liberou milhões de machos que carregam um gene fatal para as larvas resultantes do cruzamento com fêmeas selvagens, levando-as à morte antes da fase adulta. A crise atual colocou em grande evidência outra estratégia de controle do Aedes aegypti: consiste em transferir para os ovos do mosquito a Wolbachia, bactéria intracelular que bloqueia a atuação do vírus nos mosquitos. Ao se reproduzirem na natureza, passando a bactéria da mãe para o filho até predominarem os mosquitos infectados, interromper-se a transmissão da dengue e, supõe-se, de outros vírus."
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