A Ciência Explica o Palavrão


Mais do que criados somente para ofender ou para desabafar, os xingamentos mostram a evolução da linguagem, dos costumes  das sociedades e, também, ajudam a desvendar o cérebro

Há mais mistérios no universo dos palavrões do que o senso comum imagina. Mas a ciência tem ajudado a desvendá-los. Uma matéria publicada em 2008 na revista Superinteressante (intitulada "A Ciência do Palavrão" ) abordou muito bem esse tema. Convém relembrar um pouco do trabalho de vários estudiosos que se debruçaram sobre o tema espinhoso dos palavrões para tentar desmitificá-lo (pelo menos em alguns aspectos)).
Pesquisas recentes mostram que as palavras sujas nascem em um mundo à parte dentro do nosso cérebro. Enquanto a linguagem comum e o pensamento consciente ficam a cargo da parte mais sofisticada da massa cinzenta, o neocórtex, os palavrões “moram” no sistema límbico, região equivalente aos porões da cabeça. Trata-se de uma zona primitiva: é o fundo do cérebro, a parte que controla nossas emoções. Se o nosso neocórtex é mais avantajado que o dos outros mamíferos, o sistema límbico é bem parecido. Nossa parte animal fica lá.
Quando você tropeça numa pedra e solta aquele palavrão, está ofendendo inconscientemente uma coisa inanimada. Se dependesse do pensamento consciente, ninguém nunca ofenderia uma coisa inanimada. Mas o nosso sistema límbico não pensa. Justamente por não pensar, quando essa parte animal do cérebro “fala”, ela consegue traduzir certas emoções com uma intensidade inigualável. Os palavrões, por esse ponto de vista, são poesia no sentido mais profundo da palavra.
Alguns pesquisadores consideram o palavrão até mais sofisticado que a linguagem comum, pois ele consegue ir direto ao ponto, transmitindo a emoção do sistema límbico de quem fala direto para o de quem ouve. É o que pensa o psicólogo cognitivo Steven Pinker, da Universidade Harvard. Em seu livro intitulado Stuff of Thought (“Coisas do Pensamento”, inédito em português), ele escreveu: “Mais do que qualquer outra forma de linguagem, xingar recruta nossas faculdades de expressão ao máximo: o poder de combinação da sintaxe; a força evocativa da metáfora e a carga emocional das nossas atitudes, tanto as pensadas quanto impensadas”. 
Mas os palavrões não são utilizados unicamente para xingar. Eles expressam qualquer emoção indizível, seja ruim, seja boa. Então, se um jogador de futebol grita palavrões depois de marcar um gol, ele não o faz por ser mal-educado, mas porque só uma palavra saída direto do sistema límbico consegue transmitir o que ele está sentindo. Outra prova de eficácia é que eles estreitam nossos laços sociais. Se você xingar alguém gratuitamente e o sujeito não ficar bravo, significa que ele é seu amigo. Daí que grupos de homens adoram usar cumprimentos "desbocados" para deixar claro que todos ali são íntimos. “Perceber o xingamento como agressão ou ferramenta social depende do contexto”, disse o psicólogo Timothy Jay (considerado um expert em palavrão), da Faculdade de Artes Liberais de Massachusetts, à revista americana New Scientist :“Num vestiário masculino, por exemplo, quem não xinga é o ‘panaca’”.
Se é fácil entender por que excrescências são palavrões, não dá para dizer o mesmo sobre os termos ligados ao sexo. Afinal, sexo é bom, não? Não necessariamente. “Ele traz altos riscos, incluindo doenças, exploração, pedofilia e estupro. Esses males deixaram marcas nos nossos costumes e emoções”, diz Pinker. 
Os palavrões também mudam com o passar do tempo. Até décadas atrás não havia prognóstico pior que não ir para o céu quando morresse. Então, quando a idéia era insultar para valer, nada melhor que mandar alguém para o inferno. E também há o inverso: palavras normais que viram tabu. Em algum momento da história do português um sujeito chamou pênis de “pau”. Mais uma mostra de como os palavrões flutuam com o espírito do tempo são as expressões que são tabu num lugar e não têm nada de mais em outro. Se você for a Portugal, vai ver que eles preferem usar termos mais "pesados" para referirem-se às nádegas.
Mas quem decide o que é palavrão e o que não é? “Isso depende dos mecanismos de conservação da língua, que são o ensino, os meios de comunicação e os dicionários. As palavras relacionadas a sexo que não são palavrões são quase todas da literatura científica, como pênis e ânus”, explica a lingüista Wânia de Aragão, da Universidade de Brasília. Não que isso impeça termos científicos de hoje, como “pedófilo”, de virar palavra suja um dia. A palavra “esquizofrênico”, por exemplo, nasceu na ciência, mas agora, com o aumento dos diagnósticos de doenças mentais, caiu na boca do povo. E está virando xingamento.

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