Matemática Contra o Câncer

Professor especialista em Biologia Matemática da Universidade de Oxford sugere a criação de modelos matemáticos para entender a dinâmica das células cancerosas e as suas interações com o tecido saudável como uma alternativa de combate ao câncer

Quem conhece bem o blog Biorritmo sabe que a interdisciplinaridade é o meu tema predileto. É bem verdade que já faz algum tempo que eu não posto nada nesta linha.  Fuçando a internet nas últimas semanas encontrei uma matéria muito boa  para reacender o assunto. No começo do mês de julho, o professor Philip Maini, catedrático em Biologia Matemática da Universidade de Oxford, concedeu uma entrevista à agência espanhola Sinc, quando esteve em Madri por ocasião da sua participação na 10ª Conferência do Instituto Americano de Ciências Matemáticas no  ICMAT. Philip Maini lidera desde 1992 o Centro Wolfson de Biologia Matemática, onde se dedica a criar modelos matemáticos para compreender assuntos aparentemente tão distantes das ciências exatas como o desenvolvimento do câncer ou o crescimento de um embrião.

Segundo ele, " a matemática está presente em todo o lugar onde há coisas que podem variar no tempo e no espaço, daí a razão pela qual ela está muito relacionada com a biologia. É verdade que muitos biólogos fazem bioinformática estatística, mas a maioria de dados que eles geram são estáticos, enquanto que os modelos matemáticos, ao contrário, são dinâmicos".
Quando perguntado sobre a dificuldade de entendimento entre biólogos e matemáticos, Maini explicou: " O problema está na grande diferença de significado do verbo "entender" para biólogos e matemáticos. O biólogo diz: 'eu entendo como um processo acontece porque eu identifiquei alguns genes que são ativados em determinados lugares'. O matemático, por sua vez, diria: "Essa não é a resposta. A questão é por que esses genes são ativados lá em vez de outro lugar'. Tudo isso porque os matemáticos se fazem perguntas que os biólogos nem imaginam. Para eles, a matemática só tem valor se virem nela alguma utilidade, ou seja, se ela ajudá-los a alcançar novas metas".
A parte mais interessante da entrevista é quando Philip Maini (foto) explica como se pode utilizar a matemática para estudar a formação de tumores cancerígenos.  " O mais importante é entender a dinâmica das células" disse ele." Os oncologistas focam muito na remoção do câncer, mas muitas vezes o tumor volta e você tem que usar outras terapias; o problema é que os tratamentos tendem a progredir  num ritmo mais lento do que o esperado. Eu acho que uma das razões é que o câncer não é apenas uma doença das células, mas de todo o tecido.
As células cancerosas e normais têm uma interação muito complexa. Na verdade, em alguns casos, o câncer utiliza as células saudáveis ​​como aliadas para o desenvolvimento do tumor, o que pode significar que elas também são inimigas e isso faz repensar as terapias para minimizar a morte do tecido saudável. Queremos entender como as células cancerosas interagem com o tecido saudável, e é aí que entram os modelos matemáticos. Neste ponto a nossa intuição não é suficiente. Quando atacamos o câncer, ele sempre encontra uma outra maneira de sobreviver até que não haja mais munição. Em seguida, o tumor se espalha e vence a batalha. Alguns dos meus colegas estão começando a trabalhar com as células saudáveis ​​para manter o câncer confinado e fazer com ele não adote outras estratégias de ataque. Não estamos falando de cura, mas considerando o câncer como uma doença crônica e aprendendo a lidar com ele. 
Além de considerar essa terapia adaptativa, estudos recentes propõem deixar algumas das células cancerosas fazer o trabalho para nós. Para fazer isso, precisamos de um conhecimento extremamente detalhado de sua dinâmica e interações, do qual não dispomos no momento. Mais uma vez, aqui entra a matemática para gerar hipóteses que podem ser avaliadas experimentalmente. Você jamais terá informação suficiente de um indivíduo para desenvolver um modelo matemático perfeito, mas precisamos tentar porque o câncer afeta muitas pessoas. Além disso, em termos de recursos econômicos a matemática não custa praticamente nada.
Os avanços da biologia dos últimos anos confirmam que os modelos matemáticos são úteis. O que é necessário é que os matemáticos aprendam biologia como os biólogos. Isso é um grande desafio, pois envolve investir tempo e esforço, mas nós temos que conseguir que a matemática se torne uma ferramenta para resolver problemas em biologia, como um microscópio".
Por fim, quando perguntado se ele estava sugerindo a criação de uma matemática especial, plenamente adaptada às ciências da vida, Philip Maini respondeu: " Sim, é problema é que, por enquanto, continuamos usando a matemática como ela foi pensada para a química ou a física, e não para resolver problemas biológicos. Os matemáticos gostam de formulações elegantes, mas na vida real as coisas não são bem assim. Quando encontrarmos o caminho certo para trabalhar com ferramentas matemáticas em biologia, tudo vai fazer sentido."

Saiba mais no Biorritmo: Biomatemática ou Matemática Biológica? (15/10/2012)
                                          À Espera do Newton Biólogo (03/03/13) 

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