Biólogos Conseguem Consertar um Rádio?

Artigo recente retoma a metáfora de pesquisador que afirmava que, devido a dificuldade em lidar com a linguagem , os conhecimentos acumulados e a metodologia das ciências biológicas, provavelmente seria muito difícil para os biólogos conseguirem consertar um rádio quebrado.

Que pergunta absurda é essa? Biólogos existem para elucidar os intrincados mecanismos da vida em suas mais variadas formas e não para realizar consertos de aparelhos eletrônicos. Calma, eu também concordo. A pergunta, na verdade, é uma provocação lançada por Yuri Lazebnik em um artigo publicado em 2002 na revista Cancer Cell para questionar a dificuldade que os biólogos possuem em integrar e compreender a enorme quantidade de dados sobre os princípios biológicos básicos acumulados ao longo das últimas décadas. 

Quem resgatou o assunto foi Guzmán Sánchez, do Instituto Max Planck, na Alemanha, um biólogo interessado em explorar diferentes abordagens para disseminar as descobertas científicas e avaliar criticamente como atender às necessidades da sociedade. Recentemente, Sánchez publicou um artigo no Mapping Ignorance com o título Biologists can't understand biology (livremente traduzido como "Os biólogos não podem entender a biologia") no qual procura explicar essa relação dos biólogos com o imenso volume de conhecimento produzido pelas ciências biológicas nos últimos tempos.
Guzmán Sánchez cita o artigo Can a biologist fix a radio?—Or, what I learned while studying apoptosis         (Pode um biólogo consertar um rádio? - Ou, o que eu aprendi estudando a apoptose, em traduçaõ livre), de Lazebnik para ilustrar as dificuldades que os biólogos têm em lidar com a linguagem e a metodologia científica das ciências biológicas. 
Segundo Sánchez, "  O autor testemunhou a explosão da área de pesquisa dedicada a estudo da apoptose , um mecanismo pelo qual as células se suicidam: milhares de artigos foram publicados a cada ano (cerca de 60.000 em uma década), centenas de proteínas foram encontradas e tidas como importante nesse processo, e, o que é mais importante, foram encontradas células cancerosas capazes de evitar o suicídio, contribuindo assim para a divisão descontrolada e a formação do tumor. E mesmo após duas décadas deste marco ainda era difícil chegar a um consenso sobre uma definição clara de apoptose .
Aí entra a metáfora do rádio. Lazebnik sugeriu a seguinte hipótese para ilustrar a maneira como é feita a abordagem experimental em biologia: como uma comunidade de biólogo procederia para tentar explicar o motivo pelo qual um rádio velho não funciona?
"Inicialmente, ele imaginou, que várias rádios idênticos seriam coletados e comparados com o rádio quebrado. Os diferentes componentes do rádio seriam descritos e classificados de acordo com a forma ou cor . Apesar de uma mudança na cor de alguns componentes não teria um grande efeito (a música ainda toca), pequenas variações no som do rádio levaria a muitas publicações e intensos debates públicos.
No entanto, a abordagem preferida das ciências biológicas é a remoção de uma parte do organismo (neste caso, o rádio) para estudar a função da falta-de . Um dia, um estudante de pós-doutorado sortudo poderia acidentalmente encontrar um fio cujo defeito seria responsável por parar completamente a música. Ele então descobre que o fio se conecta com um objeto, que ele nomeia de componente mais importante (CMI) do rádio. O campo de pesquisa CMI floresce levando a numerosas publicações sobre as características deste componente.
Algum tempo depois, e para a surpresa dos laboratórios baseados em CMI, um outro indivíduo sortudo encontra outro objeto que é necessário para o rádio funcionar e mostra de forma convincente que o CMI do rádio não é tão importante. O novo componente essencial é nomeado de componente realmente importante (CRI) . A polêmica agita o campo com a produção de centenas de artigos que mostram que tanto CMI ou CRI são essenciais para os diferentes tipos de rádios funcionarem.
Felizmente, ainda outro componente essencial, que atua como um interruptor que determina se CMI ou CRI é o mais importante,  é descoberto e nomeado como sendo o componente indubitavelmente mais importante (CIM-I) do rádio."
"Após esta alegoria, Lazebnik remonta à questão inicial: Os biólogos podem consertar o rádio usando toda essa informação? Em alguns cenários simples (e raros), é possível: se um componente é queimado, ele pode ser substituído e o rádio funciona novamente. Esta abordagem explica o mantra "Dê-me um alvo!" da indústria farmacêutica; um componente cuja falha é o único responsável por uma doença.
Mas a rádio tem componentes sintonizáveis ​​e na maioria dos casos, pode não funcionar, como também é o caso dos organismos vivos, pois vários componentes não estão sintonizados corretamente. A dificuldade é que este tipo de defeito não muda a aparência ou as conexões dos objetos o que leva o autor prever que a probabilidade de os biólogos consertar o rádio é bastante pequena.
E por que é que um engenheiro pode consertar o rádio? Lazebnik aponta que a linguagem e os dados em ciências biológicas podem ser vagos (como exemplificado acima) e, mais importante, às vezes é inútil para a quantificação. Isso limita a possibilidade de fazer previsões. Pelo contrário, os engenheiros utilizam uma linguagem padrão com base em regras invariáveis, o que a torna inequívoca e compreensível por qualquer pessoa treinada. É muito mais provável estes conseguirem prever o defeito no rádio quebrado e corrigi-lo."

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