A Febre de Mayaro e a Dengue

Cientistas temem adaptação de vírus amazônico causador da febre de Mayaro ao mosquito urbano que causa a dengue, o Aedes aegypti (foto). Já foi provado em laboratório que o referido vírus consegue se adaptar ao corpo do Aedes

Pesquisadores brasileiros correm contra o tempo e a pouca atenção governamental dada à febre de Mayaro, uma doença bem parecida com a dengue e comum na Amazônia. O vírus desta febre também é transmitido por mosquito, e aí está o grande temor dos especialistas. Se desde sempre o principal vetor da febre de Mayaro é o mesmo inseto que transmite a febre amarela silvestre, o Heamagogus, já foi provado em laboratório que o vírus consegue se adaptar ao corpo do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, que prolifera nas cidades em qualquer ambiente com água limpa empoçada.
— Se o vírus se adaptar no ambiente natural à transmissão pelo Aedes aegypti, aí teremos a chance de propagação pelo Brasil inteiro, o que preocupa. A febre de Mayaro tem que ser mais estudada — declara Luiz Tadeu Figueiredo, professor do Centro de Virologia da USP em Ribeirão Preto.
Os estudos sobre o vírus causador da febre de Mayaro, o Alphavirus genus, não são suficientes para descartar o risco de uma adaptação em ambiente natural. Ele provoca febre alta, dor de cabeça e nas articulações, assim como o vírus da dengue causador de epidemias. O aumento do fluxo de viajantes em busca do ecoturismo na região da Floresta Amazônica pode contribuir para levar o vírus para ambientes urbanos onde haja Aedes.
Carlos Carvalho, do Laboratório de Biologia Estrutural de Vírus, na UFRJ, vai apresentar na reunião deste ano da Federação de Sociedades de Biologia Experimental um estudo em que revela ter conseguido observar como o vírus da febre de Mayaro invade as células do corpo. Foi descoberto que o vírus leva apenas três minutos do contato com a parede da célula até chegar ao núcleo, onde se mistura ao material genético. É, portanto, um vírus bem mais veloz que o da dengue, que, de acordo com Carvalho, leva dez minutos para invadir o DNA da célula, condição fundamental para um vírus se reproduzir.
— A febre de Mayaro, sobretudo nas regiões com menos assistência médica, é confundida e tratada como se fosse dengue, doença muito mais conhecida. Não há casos de morte causada pela febre, ao contrário da dengue, mas o problema são seus efeitos prolongados, que podem se arrastar por meses — explica o pesquisador da UFRJ.
Na fase de sintomas mais agudos da febre Mayaro, estes se assemelham com os da dengue, inclusive em sua duração, em média, uma semana. Mas o problema destacado por Carvalho é a artralgia, a dor nas articulações que resistem por semanas ou meses, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
A confusão que se faz com os sintomas da dengue é grande, segundo Carvalho. Ele diz que já foram feitos estudos sorológicos — em que se consegue identificar o exato vírus que entrou em contato com o doente — em populações ribeirinhas da região amazônica, em que cerca de 40% dos casos notificados como dengue eram, na verdade, de febre de Mayaro.
— Houve há pouco tempo a notificação de casos da doença na zona urbana de Manaus. Em 2001, um grupo de pescadores que visitou o bioma da Amazônia voltou para São Paulo com a doença, numa região onde há infestação do Aedes — acrescenta Carvalho.
Como atinge regiões pobres e tem pouca atenção dos grandes financiadores de pesquisa científica, a febre está no rol das doenças negligenciadas, categoria usada por pesquisadores de doenças tropicais para males como doença de Chagas, malária e a própria dengue, para as quais a disponibilidade de tratamento específico é quase nula. E não foi por falta de tempo para pesquisa. A febre de Mayaro é conhecida desde os anos 50 do século passado, quando foi identificada pela primeira vez em Trinidad e Tobago, no Caribe.
Em 2010, a Opas chegou a emitir um alerta epidemiológico, quando ocorreu um surto da doença na Venezuela, com 77 casos. Segundo a Opas, a febre é endêmica em populações do bioma amazônico, em Peru, Bolívia, Colômbia, Suriname e Guiana Francesa.

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