O Sistema de Saúde dos Escravos Libertos nos EUA

A historiadora  Keila Grinberg, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), bolsista de  pós-doutoramento na Universidade de Michigan  (EUA) pela  Capes e colunista da Ciência Hoje, comenta o polêmico livro de Jim Downs o qual relata um fato pouco conhecido da história norte-americana: a ação do governo para atender demandas de saúde de ex-escravos, libertos após a Guerra Civil. Segundo ela, o debate sobre o sistema de saúde do país não é tão recente nos Estados Unidos como pode parecer. Logo após a Guerra Civil, teriam sido construídos 40 hospitais para tratar mais de um milhão de ex-escravos, que passaram a demandar apoio do governo. 
A Guerra Civil Americana, , não por acaso, matou mais gente de doença do que em batalha, diz a historiadora E os mais afetados foram os afrodescendentes, que só então haviam deixado de ser escravos. Ao abandonar as fazendas do Sul para se juntar aos exércitos do Norte e ajudar a combater a escravidão, os últimos escravos dos Estados Unidos também deixaram para trás os sistemas de tratamento médico existentes nas grandes plantations, onde não eram raros os hospitais de escravos. Com o fim da guerra, o número de doentes era tal que exauriu também as redes de apoio criadas por organizações beneficentes e de caridade.
O resultado foi que, sem ter a quem recorrer, os libertos começaram a demandar apoio do governo para obter comida, roupa, remédios e, como a taxa de mortalidade era alta, cemitérios. Foi assim que o governo criou a divisão médica do Freedmen’s Bureau (Departamento de Libertos, a instituição governamental dedicada aos assuntos dos libertos).Em cinco anos, de acordo com o estudo de Downs, foram construídos 40 hospitais, empregados mais de 120 médicos e tratados mais de um milhão de ex-escravos. Foi a primeira vez que o governo federal norte-americano se dedicou a cuidar diretamente de cidadãos que nunca estiveram a serviço das forças armadas.
Toda essa questão é tratada por Jim Downs no livro intitulado Sick from Freedom: African-American Illness and Suffering during the Civil War and Reconstruction (em tradução livre, Doentes de liberdade: doenças e sofrimentos de afro-americanos durante a Guerra Civil e a Reconstrução), que acaba de ser lançada pela Oxford University Press. Downs estima que, do fim da guerra, em 1865, a 1869, cerca de um milhão de libertos contraiu varíola, febre amarela ou disenteria.
Não é tão surpreendente que se saiba pouquíssimo, hoje, dessa história. Logo após a guerra, a saúde dos libertos – ou melhor, a falta dela – não era o assunto preferido dos abolicionistas, uma vez que podia dar margem ao argumento, facilmente encampado pelos escravocratas, de que eles tinham vida melhor e mais saudável quando eram escravos. 
Atualmente, saber que a primeira iniciativa do governo federal norte-americano na área da saúde pública foi cuidar dos libertos também deve incomodar muita gente. Antes de mais nada, por saber que os primeiros a demandar a ação do governo federal foram justamente os recém-libertos, não por acaso os que mais precisavam de tratamento médico. Mas, principalmente, porque demonstra que a intervenção governamental no assunto – se é que se pode chamar assim o Obamacare – não é algo novo. E muito menos radical.
Adaptado de matéria da Ciência Hoje On-Line

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