A Ciência dos Animais Domésticos

O homem conseguiu trazer poucas espécies de animais a seu convívio e uso. A razão está nos genes, dizem os cientistas.Na foto,Daisy Mae, miniatura de porco-barrigudo do Vietnã, refestela-se na poltrona de casa em West St. Paul, Minesota.

O domínio sobre plantas e animais talvez tenha sido o evento de maior repercussão na história humana. Ao lado da agricultura, a capacidade de criar e manejar animais domésticos - que o homem inaugurou com os lobos, antes das espécies comestíveis mais importantes, como a galinha e o boi - alterou nossa dieta e possibilitou o surgimento de povoações e nações-Estado. Promovendo o contato íntimo dos seres humanos com os animais, a domesticação também criou vetores de doenças que moldaram a sociedade.
Mas o processo dessas transformações teima em continuar impenetrável. Ossos de animais e esculturas de pedra às vezes lançam alguma luz sobre quando e onde cada espécie começou a conviver com os seres humanos. O mais difícil de desvendar é como isso se deu. Será que alguns javalis curiosos se aproximaram para comer o lixo e a cada geração foram entrando mais em nossa dieta? Será que seres humanos capturaram na mata alguns galos selvagens ou terá sido o galo quem primeiro se aproximou? De 148 espécies de grandes mamíferos da Terra, por que apenas 15 foram domesticadas? Por que conseguimos domar e criar cavalos por milhares de anos, mas nunca tivemos sucesso com as zebras?
A verdade é que os cientistas têm dificuldade até de definir domesticação. Todos sabemos que animais podem ser treinados para viver em contato próximo com as pessoas. Um filhote de tigre alimentado pode gravar na memória os seus captores e crescer considerando-os sua família. Mas os filhotes desse tigre serão tão selvagens quanto seus ancestrais. A domesticação, em contraste, não é qualidade obtida por treinamento em um indivíduo, e sim implantada em toda uma população ao longo de gerações que viveram próximas dos seres humanos. Muitos dos instintos selvagens da maioria dessas espécies, se não todos, foram perdidos há tempos. Em outras palavras, a domesticação está principalmente nos genes.
Ainda assim, a fronteira entre domesticado e selvagem nem sempre é precisa. Temos evidências crescentes de que ao longo da história animais ajudaram na própria domesticação, habituando-se aos seres humanos antes que tivéssemos uma participação ativa no processo. "Minha hipótese", diz Greg Larson, especialista em genética e domesticação, "é que, para a maioria dos primeiros animais domesticados - primeiro os cães, depois os porcos, as ovelhas e as cabras -, houve de início um longo período de manejo não intencional pelos seres humanos." A palavra domesticação "implica uma ação de cima para baixo, algo que os seres humanos fizeram de propósito", diz ele. "Mas a história é mais interessante."
Identificar a composição gênica relacionada à docilidade, porém, mostra ser uma ciência complicada. Primeiro, os pesquisadores precisam encontrar os genes responsáveis pelo surgimento dos comportamentos amistoso e agressivo. Mas essas características gerais são, na verdade, amálgamas de traços comportamentais mais específicas - medo, ousadia, passividade, curiosidade - que têm de ser dissociadas, medidas e correlacionadas a genes individuais ou a grupos de genes atuando em conjunto.
Em sua busca pelos genes da domesticação, Leif Andersson, que estuda a genética de animais de criação no Instituto Nacional de Pesquisas sobre Genoma Humano (EUA), investiga o mais populoso animal doméstico do mundo: a galinha. O ancestral dessas aves, o galo selvagem, vivia livre nas selvas da Índia, do Nepal e de outras partes do sul e do sudeste da Ásia. Por volta de 8 mil anos atrás, os seres humanos começaram a criá-lo para servir de alimento. Em 2010, Andersson e colegas compararam o genoma inteiro de galinhas domésticas com os de populações de galo selvagem mantidas em zoológico. Identificaram uma mutação em um gene conhecido como TSHR, encontrada apenas em populações domésticas. A implicação é que o TSHR teve algum papel na domesticação, e agora a equipe tenta determinar exatamente o que a mutação do TSHR controla. A hipótese de Andersson é que esse gene talvez influencie os ciclos reprodutivos das aves, permitindo que as galinhas se reproduzam com maior facilidade em cativeiro do que o galo selvagem na natureza - uma característica que os criadores pioneiros teriam gostado de perpetuar. Essa mesma diferença existe entre os lobos, que se reproduzem uma vez por ano e sempre na mesma estação, e os cães, que podem se reproduzir mais de uma vez por ano em qualquer estação.
Se a teoria de Andersson for correta, poderá ter implicações fascinantes em nossa espécie. O biólogo Richard Wrangham supõe que nós também passamos por um processo de domesticação que alterou nossa biologia. "A questão de qual é a diferença entre o porco doméstico e o javali ou entre uma galinha e um galo selvagem", diz Anderson, "é semelhante à questão de qual é a diferença entre um ser humano e um chimpanzé."
O ser humano não é simplesmente um chimpanzé domesticado, mas compreender a genética da domesticação em galinhas, cães e porcos ainda pode nos revelar coisas surpreendentes sobre as origens de nosso comportamento social. "Mais de 14 mil genes se expressam no cérebro; porém, poucos são compreendidos", ressalta Anna Kukekova, pós-doutoranda em genética molecular na Universidade Cornell. Descobrir quais desses genes estão relacionados ao comportamento social é tarefa complicada. Não se podem fazer experimentos de reprodução seletiva com seres humanos, e os estudos que tentam descobrir diferenças inatas no comportamento entre pessoas ou populações são, para dizer o mínimo, problemáticos.
* Veja também no Biorritmo:  A Redenção do Vira-Lata (03/10/2010)
Adaptado de matéria da revista National Geographic Brasil (março2011)

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