Compreendendo a Obesidade


A capacidade do corpo humano de armazenar energia na forma de gordura parece deslocada num mundo cheio de alimentos. Entender como os sistemas regulatórios podem levar à obesidade revela novas maneiras de combater o excesso de peso

Pelo fato de os seres humanos terem evoluído num mundo onde a disponibilidade de alimentos era apenas intermitente, a sobrevivência exigiu que tivéssemos a capacidade de armazenar energia para épocas de escassez. O tecido adiposo, familiarmente conhecido como gordura, é o órgão especializado para essa tarefa. Nossa capacidade de armazenar gordura continua essencial à vida e pode permitir que uma pessoa sobreviva à fome por meses. Na história humana recente, contudo, a quantidade de energia acumulada como gordura está aumentando em muitas populações. Obesidade é o nome que damos quando o armazenamento de gordura se aproxima de um nível que compromete a saúde de uma pessoa.
Em parte essa tendência é resultado do progresso tecnológico da humanidade – diante de alimento abundante e de menor necessidade de atividade física, é muito fácil ingerir mais energia que o necessário. Contudo, algumas pessoas parecem mais suscetíveis que outras a se tornar obesas quando expostas a esse ambiente de fartura, o que sugere que variações na fisiologia individual também podem estar influenciando o quanto de energia uma pessoa consome, gasta e armazena na forma de gordura.
Muitas variáveis críticas do corpo, como pressão arterial, temperatura corporal, açúcar sangüíneo e balanço hídrico, são bem controladas por mecanismos automáticos, mas se o peso corporal também é regulado continua motivo de discussões acaloradas há muito tempo. Apenas recentemente os cientistas obtiveram avanços significativos na identificação das vias celulares de sinalização e atividade que poderiam participar do sistema regulador da gordura. 
Qualquer sistema de regulação fisiológica exige um modo de o corpo detectar a quantidade de uma substância específica presente e traduzir a informação em ações que mantenham essa variável numa faixa desejada. As necessidades energéticas das células humanas são satisfeitas pela glicose, derivada do alimento, que circula no sangue. Normalmente o corpo mantém os níveis de glicose dentro de limites bem rígidos. Quando a glicose sangüínea aumenta, células especializadas do pâncreas detectam a mudança e secretam insulina extra, o que desencadeia respostas no músculo e nas células adiposas que levam esses tecidos a assimilar e utilizar mais glicose, enquanto o fígado reage reduzindo a produção desta substância.
As células adiposas convertem a energia excedente que captaram em triglicéride, um ácido graxo. Quando não há alimento disponível e os níveis de insulina caem, as células adiposas liberam triglicérides de volta à corrente sangüínea, de onde são transportados ao fígado e decompostos em cetonas, que podem servir de combustível para o músculo e o cérebro.
Estudos em animais e seres humanos há muito sugerem que o corpo mamífero possui mecanismos para monitorar a quantidade de energia armazenada como gordura e para regular que esse recurso permaneça próximo a um dado nível. Se um animal estiver com peso estável, por exemplo, uma alteração significativa na ingestão de energia produzirá mudanças físicas e comportamentais que parecem estar dirigidas para a restauração do peso ao nível anterior. Um animal cujo alimento é repentinamente restringido tende a reduzir seus gastos energéticos, ficando menos ativo e reduzindo o uso de energia nas células, limitando dessa forma a perda de peso. Ele também sente mais fome para que, assim que terminar a restrição, coma mais que a sua norma anterior até que seja atingido o peso anterior. Da mesma forma, depois de uma superalimentação intencional, um animal começará a gastar mais energia e a exibir apetite reduzido, com ambos os estados persistindo até que o peso caia ao nível anterior.
Diferenças na suscetibilidade à obesidade entre subgrupos também podem estar ligadas a versões discordantes de determinados genes. Há bem pouco tempo, varreduras de todo o genoma realizadas em quase 40 mil pessoas em todo o mundo identificaram um gene chamado FTO, cuja variação foi vinculada à obesidade. Em todos os países estudados os portadores de uma das versões desse gene eram, em média, 3 kg mais pesados que os demais e tinham quase o dobro do risco de se tornar obesos. A esta altura, a função do gene FTO e como ele poderia promover a obesidade são desconhecidos, mas sua associação com maior peso corporal sugere que poderia ter um papel na regulação do peso.
Mas os genes não funcionam num vácuo, e os genes da população humana em geral não se alteraram nas últimas décadas. A explicação da epidemia de obesidade exigirá, portanto, um conhecimento maior de como os genes variantes interagem com o ambiente de uma pessoa para influenciar também o peso corporal. Alguns fatores ambientais importantes são óbvios, como a menor necessidade de esforço físico para sobreviver e a maior quantidade e qualidade de alimento disponível. Muitas das outras variáveis ambientais são menos evidentes e ainda pouco compreendidas, como o efeito da nutrição sobre o peso corporal durante o desenvolvimento fetal. Stress, privação de sono e até infecções virais, além da composição de comunidades microbianas benignas no organismo são fatores adicionais que podem afetar a regulação de gordura de um indivíduo.
* Saiba mais sobre obesidade lendo o artigo "De onde vêm a gula e a obesidade na evolução?" postado por Eli Vieira em Evolucionismo.org

por Jeffrey S. Flier e Eleftheria Maratos-Flier ( professores de medicina da Escola de Medicina de Harvard). Adaptado de reportagens publicadas na Revista Scientic American Brasil

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