A Biodiversidade dos Pampas

O lagarto 'Stenocercus azureus' é um dos répteis que vivem no pampa. O bioma guarda uma notável biodiversidade de répteis e anfíbios. (foto: Márcio Borges Martins)

Quando falamos em pampa, logo pensamos num campo repleto de gramíneas e gado. Mas será apenas isso? Recentemente, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) descobriram no bioma gaúcho uma biodiversidade muito maior do que se supunha.
“Nos últimos anos encontramos espécies de répteis e anfíbios ainda desconhecidas pela ciência”, conta o coordenador do estudo, Márcio Borges Martins, do Departamento de Zoologia da UFRGS.
O trabalho começou em 2007 e, desde então, pelo menos quatro novas espécies foram descobertas: uma coral-verdadeira (Micrurus silviae), além de outra serpente e mais dois lagartos, esses três últimos ainda em processo de descrição.
“Em pouco tempo de pesquisa, já obtivemos ótimos resultados no levantamento de espécies; as duas serpentes e os dois lagartos são apenas algumas delas”, afirma o zoólogo. “É um forte indício do limitado conhecimento que temos sobre a fauna da região.”
A existência de novas espécies animais nos pampas não é surpresa. Afinal, o bioma contém grandes vazios de amostragem – isto é, áreas pouco estudadas, nas quais há boas chances de se encontrar uma fauna heterogênea.
A equipe da UFRGS vem empregando uma metodologia denominada modelagem de distribuição geográfica. “Correlacionamos os dados de ocorrência das espécies com dados referentes a clima, altitude e vegetação”, diz Martins.
Ele explica que, com o auxílio de softwares e algoritmos, pode-se prever a distribuição das espécies no bioma. Com os resultados do estudo, será possível definir as áreas que têm prioridade de conservação.

Ameaça da silvicultura
O pampa se caracteriza por formações vegetais predominantemente de campo, mas possui também arbustos e pequenas florestas. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) recomenda a preservação de pelo menos 10% de cada bioma brasileiro. Em 2007, um mapeamento feito pela UFRGS em parceria com o MMA, baseado em dados do satélite norte-americano Landsat, mostrou que 41% da vegetação nativa dos pampas está intacta.
Apesar da boa notícia, o bioma corre risco, pois menos de 0,5% de sua superfície destina-se a áreas de conservação.
Historicamente, a pecuária é a atividade vinculada ao desenvolvimento da região, cujas pastagens naturais são ricas e diversificadas.
“Por esse motivo, não é necessário desmatar a paisagem nativa para produzir pasto, e graças a isso boa parte do pampa se mantém intacta”, afirma o geógrafo da UFRGS Heinrich Hasenack. Segundo ele, nesse bioma a pecuária é mais sustentável.
Mas nos últimos tempos a atividade tem perdido cada vez mais espaço para uma concorrente notória: a silvicultura. “Em nosso estado as pastagens têm se desvalorizado, e muitas terras estão sendo adquiridas por empresas de silvicultura, com o apoio do governo”, lamenta Martins.
Essa atividade descaracteriza completamente a morfologia dos pampas, causando um sério impacto de paisagem. Formações abertas tornam-se formações de monocultura florestal, e os impactos dessa mudança são críticos para répteis e anfíbios.Por serem ectotérmicos (não têm calor próprio e dependem do calor do ambiente), esses animais precisam se expor ao sol, procurando geralmente substratos rochosos para lagartear.
“Mas quando as áreas abertas são usadas para a silvicultura, o regime termal do ecossistema muda radicalmente”, afirma Martins. O sombreamento reduz as temperaturas e afeta o metabolismo das espécies nativas da região.
Por conta dessa alteração, cedo ou tarde espécies que sequer conhecemos podem desaparecer.
O pampa é um dos seis biomas brasileiros e cobre uma área de aproximadamente 180 mil km2, espalhando-se por territórios do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.
Sua constituição vegetal não é exuberante, mas tem grande relevância ecológica: guarda rica biodiversidade e presta importantes serviços ambientais.
A vegetação nativa dos campos atua no controle da erosão e no sequestro de carbono, além de ser uma fonte ainda pouco estudada de variabilidade genética.
Segundo os pesquisadores da UFRGS, a previsão é de que a partir de 2011 já se tenha uma noção mais precisa do mapeamento da biodiversidade nos pampas. O trabalho, que tem o apoio da Fundação O Boticário, servirá como referência para as futuras políticas públicas de conservação do bioma.“Quando se desmata uma floresta, é fácil notar, já que a descaracterização do terreno é gritante. Mas, quando se desmata uma área de campo, o impacto visual é muito menos perceptível; por isso não temos a impressão de devastação”, diz Martins.
Segundo Martins, não são apenas as áreas de conservação que podem garantir a manutenção desse patrimônio. “Precisamos também incentivar o uso adequado das áreas, com atividades econômicas compatíveis com a dinâmica natural dos campos sulinos.”

Por Henrique Kugler (Especial para a CH On-line / PR}

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