Stephen Jay Gould, O Mestre dos Ensaios Científicos

O brilhante paleontólogo-evolucionista Stephen Jay Gould (1941-2002) escreveu inúmeros ensaios científicos que são exemplos de erudição, clareza e elegância, alem de demonstrar insólitas conexões com filosofia, literatura, música e ciências sociais.

Stephen Jay Gould (1941-2002) foi um paleontólogo e biólogo evolucionista dos Estados Unidos da América. Foi também um autor importante no que diz respeito à história da Ciência. É reconhecido como o mais lido e conhecido divulgador científico da sua geração.
Nascido numa família judia, não praticou nenhuma religião organizada. Ainda que tenha sido educado num meio ideologicamente marcado pelo socialismo, nunca assumiu qualquer militância política. Como escritor, lutou contra a opressão cultural, principalmente contra a pseudociência legitimadora do racismo.
Começou a lecionar como membro da faculdade da Universidade de Harvard, em 1967, onde se tornou professor na cadeira de Alexander Agassiz, de zoologia. Ajudou Niles Eldredge a desenvolver a teoria do equilíbrio pontuado (1972), segundo a qual as mudanças evolucionárias ocorreriam de forma acelerada em períodos relativamente curtos, em populações isoladas, intercalados de períodos mais longos, caracterizados pela estabilidade evolutiva.
Na perspectiva do próprio Gould, esta teoria derrubava um princípio-chave do neodarwinismo (o gradualismo das mudanças evolucionárias) - perspectiva não partilhada por grande parte da comunidade dos biólogos evolucionários que a consideram apenas como uma retificação importante, sem dúvida, mas que não punha em causa o que já era conhecido e defendido como certo pelos cientistas até ao momento.
Stephen Jay Gould é especialmente conhecido a nível mundial pela sua atuação a nível da divulgação da ciência a leigos. Em Janeiro de 1974 a revista Natural History apresentou um ensaio de Gould (Size and Shape - The immutable laws of design set limits on all organisms). Este seria o primeiro de um conjunto de 300 ensaios escritos por Gould e editados pela Natural History sob o título de This View of Life (Esta visão da vida). Gould escreveu artigos mensais que foram publicados ininterruptamente entre janeiro de 1974 e janeiro de 2001e posteriormente compilados em inúmeros livros,os quais foram considerados um exemplo de clareza, elegância e erudição
A maioria dos ensaios escritos por Gould para This View of Life tinha como tema assuntos relativos à Teoria da Evolução e à História das Ciências, mas Gould também se referiu a outros assuntos relativos a biologia, a geologia, a ciências sociais, e ao beisebol. Michael Shermer refere que o ensaio mais curto escrito por Gould para This View of Life tem 1.475 palavras ("Darwin's Dilemma", de Junho 1974), e o mais longo tem 9.290 palavras ("The Piltdown Conspiracy", de Agosto 1980).
Veja um trecho de um dos seus  memoráveis ensaios:
"A evolução se mostra nas imperfeições que registram a história da descendência. Por que um rato deve correr; um morcego, voar; um boto, nadar; e eu datilografar este ensaio usando estruturas formadas pelos mesmos ossos, a não ser pelo fato de os termos herdado de um ancestral comum? Um engenheiro, partindo do nada, poderia projetar membros mais perfeitos para cada um dos casos. Por que todos os grandes mamíferos da Austrália devem ser marsupiais, a não ser por descenderem de um ancestral comum, isolado naquela ilha-continente? Os marsupiais não são "melhores", ou idealmente adequados, para a Austrália; muitos foram exterminados pelos mamíferos placentários, importados pelos humanos de outros continentes. Esse princípio da imperfeição estende-se por todas as ciências históricas. Quando estudamos a etimologia das palavras setembro, outubro, novembro e dezembro (sétimo, oitavo, nono e décimo) deduzimos que o ano antes começava em março, ou que dois meses devem ter sido acrescentados aos dez do calendário original.
O terceiro argumento é mais direto: transições são freqüentemente encontradas no registro fóssil. As transições não são comuns - nem deveriam ser, de acordo com o nosso entendimento da evolução - e também não são inteiramente inexistente, conforme alegam os criacionistas. O maxilar inferior dos répteis é formado por vários ossos, e o dos mamíferos apenas por um. Os ossos do maxilar inferior dos não-mamíferos foram reduzindo-se pouco a pouco, até se tornarem pequenos vestígios atrofiados, localizados na parte posterior da mandíbula dos mamíferos ancestrais. O martelo e a bigorna do ouvido dos mamíferos descendem dessas atrofias. "Como se processou uma transição como essa?", os criacionistas perguntam. Por certo, um osso ou está na mandíbula ou encontra-se no ouvido. No entanto, os paleontólogos descobriram duas linhagens de transição entre terápsidos (ou assim chamados répteis que parecem mamíferos) com dupla articulação maxilar - uma delas formada pelos antigos ossos quadrático e articular (que logo se transformariam em martelo e bigorna) e a outra formada pelos ossos esquamosais e dentários (como nos mamíferos modernos). Nesse aspecto, que melhor exemplo de transição poderíamos encontrar do que o mais antigo humano, o Australiopithecus afarensis, com seu palato simiesco, sua postura humana ereta e sua capacidade craniana maior do que a de qualquer símio do mesmo tamanho de corpo, mas mesmo assim com mil centímetros cúbicos a menos do que a nossa? Se Deus fez cada uma das seis espécies descobertas nas antigas rochas, por que as criou numa seqüência temporal ininterrupta de traços progressivamente mais modernos - capacidade craniana crescente, faces e dentes reduzidos e um tamanho de corpo maior? Será que ele criou imitando a evolução, só para testar nossa fé?"

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